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A Perpetuação das Políticas Protecionistas no Brasil: uma reflexão sobre políticas públicas.

21/06/2025

[Imagem: Museu do Café, antiga Bolsa do Café – Santos/SP]

Introdução

Este trabalho propõe uma reflexão crítica e provocadora sobre as políticas públicas que historicamente moldaram a sociedade brasileira, sustentando uma estrutura social profundamente desigual, excludente e marcada pela perpetuação da dependência. Mais do que um exame técnico ou meramente descritivo, este texto busca desvelar as engrenagens silenciosas, mas potentes, que mantêm uma grande parcela da população em uma posição de subordinação e vulnerabilidade, enquanto uma minoria se perpetua no poder e mantém intocáveis seus privilégios.


Ao longo da história do Brasil, o Estado tem se apresentado não como garantidor de direitos universais, mas como um mecanismo que protege e assegura a manutenção das elites econômicas e políticas. Da escravidão à imigração, do latifúndio à concentração urbana, o fio condutor sempre foi a manipulação da política pública para garantir a ordem social desejada: uma população desmobilizada, politicamente apática e economicamente dependente.


Neste contexto, a educação e a história aparecem não como instrumentos de emancipação, mas como ferramentas cuidadosamente moldadas para reforçar uma narrativa oficial que esconde e naturaliza as desigualdades, impede a conscientização e bloqueia processos reais de transformação social.


O objetivo deste texto é, portanto, romper com esse silenciamento e provocar uma análise profunda sobre como as políticas protecionistas, longe de serem mecanismos de proteção social legítimos, funcionam como instrumentos de perpetuação da exclusão e do poder de uma minoria — representada, sobretudo, pela classe política que se perpetua no comando do Estado.


Também busca destacar a necessidade de uma educação crítica e transformadora como a única via possível para romper com esse ciclo histórico de dependência, alienação e manipulação.


A compreensão de que, mesmo mais de um século após a abolição formal, a escravidão persiste no Brasil — não mais sob correntes visíveis, mas sob estruturas silenciosas de exploração, exclusão e dependência — é um dos pontos centrais que percorrem esta reflexão. Tal permanência histórica nos obriga a repensar não apenas as políticas públicas, mas também a relação entre a educação e o poder.


Neste sentido, é imprescindível reconhecer que a educação é, antes de tudo, uma política pública, e como tal, não pode ser dissociada da política em si. Discutir as políticas de educação é discutir o próprio modelo de sociedade que desejamos: uma sociedade que forma cidadãos críticos e emancipados ou que perpetua sujeitos passivos e dependentes.


Assim, este texto defende a necessidade urgente de superarmos o tabu de que política não se discute, pois justamente o silenciamento político é uma das principais armas que mantém a população submissa e alheia à compreensão das estruturas que a oprimem. Discutir política — e, particularmente, as políticas de educação — não é apenas um direito, mas um ato de resistência e um compromisso ético com a transformação social.


Somente ao compreender e assumir esse papel é que poderemos avançar rumo à construção de um modelo social realmente emancipador, onde a educação deixe de ser ferramenta de dominação e passe a ser um caminho efetivo para a liberdade, a autonomia e a dignidade humanas.

 

1. A Formação Histórica da Dependência Social
Desde os primórdios do Brasil, as elites econômicas e políticas estruturaram a sociedade para manter a população em condição de subordinação e dependência. O sistema escravocrata consolidou essa lógica e, mesmo após a abolição, o modelo se reconfigurou, mantendo as massas populares afastadas dos processos decisórios e dos meios de produção.


As políticas públicas e institucionais nunca foram concebidas para promover a emancipação ou a autonomia das classes populares, mas sim para assegurar a manutenção dos privilégios das elites. Isso se expressa, historicamente, na ausência de medidas estruturais que poderiam ter transformado radicalmente a organização social brasileira.


Por exemplo, o acesso à educação formal sempre foi restrito aos grupos economicamente favorecidos, enquanto a maioria da população permaneceu excluída do conhecimento, perpetuando uma massa despolitizada e dependente do Estado.


Essa exclusão atingiu de forma particular os negros, recém-libertos da escravidão, que foram lançados à marginalização sem qualquer política de integração; as mulheres, historicamente afastadas da educação e da política — sendo que, até o final do século XIX e início do XX, ainda havia enormes restrições para que elas frequentassem escolas e, principalmente, participassem da vida pública; e os imigrantes, que, embora fossem trazidos em massa para substituir a mão de obra escravizada, não tinham direito ao voto, tampouco acesso efetivo à educação formal, sendo destinados majoritariamente a funções produtivas e privadas de processos de escolarização e cidadania plena.


Esse quadro contrasta com a realidade atual, na qual políticas públicas afirmam garantir educação para todos e o direito ao voto para quaisquer cidadãos naturalizados, inclusive imigrantes. Contudo, é preciso perguntar: essa educação é realmente para todos?


A forma como a educação está estruturada no Brasil, marcada por manipulação de informações e lavagem ideológica, muitas vezes impede a formação de sujeitos críticos, mantendo um modelo que, embora aparentemente democrático, ainda reproduz práticas de controle, alienação e reprodução de desigualdades.


Além disso, as políticas públicas, ao longo da história, priorizaram ações paliativas — programas assistencialistas ou compensatórios — que não transformam a base das desigualdades, mas apenas contêm tensões sociais, impedindo a mobilização efetiva das classes populares por seus direitos.


No decorrer deste texto, aprofundaremos essa visão, analisando como esses processos históricos se consolidaram em políticas públicas que perpetuam as desigualdades, bem como os mecanismos institucionais que mantêm a população em estado de dependência e subordinação.

 

2. O Papel do Estado na Manutenção das Desigualdades
Desde a formação do Brasil, o Estado não atuou como garantidor de direitos universais, mas como fiador dos interesses das elites. Através de políticas públicas seletivas e de mecanismos legais, promoveu a concentração de terras, recursos e poder, enquanto a maioria da população permanecia excluída de condições dignas de vida e de participação política efetiva.


Esse modelo consolidou uma lógica de exclusão e subordinação, na qual o Estado opera como instrumento de manutenção das desigualdades, oferecendo proteção e privilégios a uma minoria, enquanto as maiorias permanecem dependentes de políticas compensatórias e assistencialistas, que não resolvem as causas estruturais da desigualdade.
Essa desigualdade é promovida, sobretudo, através de políticas protecionistas, que criam uma falsa sensação de inclusão. Ao garantir benefícios pontuais a determinados grupos, o Estado promove uma divisão interna na sociedade, fragmentando-a e impedindo a formação de uma consciência coletiva crítica.


Um exemplo claro dessa dinâmica está presente no campo da educação, especialmente nas políticas de inclusão escolar. Embora apresentadas como instrumentos de promoção da igualdade, essas políticas muitas vezes acabam por dificultar o trabalho do professor, que precisa lidar com realidades cognitivas muito distintas sem o devido preparo, prejudicando a qualidade do ensino para todos os alunos.


Além disso, ao colocar juntos alunos com e sem dificuldades de aprendizagem, sem considerar as especificidades de cada um, pode-se gerar um efeito contrário ao desejado. O estudante com dificuldade tende a se perceber como diferente, e essa percepção, reforçada diariamente pela comparação com colegas que acompanham o conteúdo com mais facilidade, alimenta uma autoimagem negativa.


Na perspectiva da psicologia social, esse processo pode configurar-se como uma profecia autorrealizadora, na qual o aluno, percebendo-se como alguém que “não aprende” ou que “é mais lento”, passa a internalizar essa crença, afetando diretamente sua autoestima, sua motivação escolar e sua adesão ao aprendizado.

 

Com o tempo, esse sentimento de inadequação pode não apenas prejudicar o seu desempenho acadêmico, mas também comprometer seu desenvolvimento emocional e sua inserção social. Assim, uma política que visa promover a igualdade pode, paradoxalmente, reforçar desigualdades subjetivas, alimentando sentimentos de incapacidade e, potencialmente, quadros de ansiedade, depressão e desistência escolar.


Isso nos leva a uma reflexão essencial: será que tais políticas são fruto de uma falha não-intencional ou seriam, na verdade, deliberadamente concebidas para dificultar a chegada plena da informação? Estaríamos, sob o discurso da igualdade, criando um sistema que, na prática, fragiliza o ensino e mantém a sociedade desinformada e passiva?


Desse modo, o Estado perpetua uma estrutura na qual a inclusão não passa de uma política ilusória, um artifício manipulativo que promove a falsa sensação de participação e igualdade, enquanto, na realidade, aprofunda a exclusão e fortalece os mecanismos de dominação, visando manter-se no poder e consolidar o controle sobre a sociedade.


 
3. As Políticas Protecionistas e Sua Perpetuação Histórica
As políticas protecionistas sempre foram utilizadas como ferramentas para garantir a permanência das elites no poder, embora fossem apresentadas como formas de proteger a economia nacional e as classes populares. Um exemplo clássico foi a política de proteção aos cafeicultores, que dominou a economia brasileira entre o final do século XIX e o início do século XX.


Nessa época, medidas como o favorecimento direto aos grandes produtores de café, o controle dos preços agrícolas e o subsídio à produção excedente foram implementadas pelo Estado sob o discurso de impulsionar o desenvolvimento e proteger os trabalhadores. Contudo, na prática, essas políticas beneficiaram exclusivamente as elites rurais, mantendo os trabalhadores — sobretudo negros recém-libertos e imigrantes pobres — em condições de precariedade e subordinação.


O exemplo mais emblemático dessa dinâmica foi o Convênio de Taubaté, firmado em 1906, quando os governos estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, com apoio federal, se comprometeram a comprar e estocar os excedentes da produção de café, evitando assim a queda dos preços internacionais. Embora essa medida tenha sido apresentada como necessária para salvar a economia, ela teve como efeito prático a proteção dos lucros dos grandes fazendeiros, consolidando ainda mais a concentração de riqueza e poder nas mãos da elite agroexportadora.


É importante reconhecer que, sob a ótica do modelo econômico vigente, o Convênio de Taubaté pode ter sido uma política necessária para evitar um colapso econômico, dado que o Brasil concentrava sua estrutura produtiva quase exclusivamente na cafeicultura. Entretanto, sua intenção real e seus efeitos práticos foram claramente orientados à manutenção do lucro e do poder dos grandes fazendeiros, sem qualquer compromisso com a melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais.


Faltou uma visão de longo prazo, que promovesse a diversificação da economia, a emancipação das classes populares e a transformação social efetiva. Assim, o Convênio de Taubaté representa exemplarmente a lógica histórica das políticas protecionistas no Brasil: ações que aparentam proteger a coletividade, mas que, na realidade, são instrumentos para manter a elite no poder e preservar privilégios, enquanto a maior parte da população continua em situação de dependência e submissão.


Ainda hoje, essa lógica se perpetua sob novas roupagens, especialmente nas políticas de proteção ao agronegócio. O Estado brasileiro continua direcionando subsídios bilionários e créditos facilitados a grandes produtores, por meio de programas como o Plano Safra, além de conceder isenções fiscais para exportações, beneficiando as grandes corporações agrícolas e estimulando a expansão de monoculturas voltadas para o mercado externo.


Enquanto isso, os pequenos produtores e a agricultura familiar, responsáveis pela maior parte do abastecimento alimentar interno, enfrentam precarização, falta de acesso a crédito, escassa assistência técnica e estão frequentemente sujeitos a altíssimos impostos promovidos pelo governo, o que asfixia sua capacidade produtiva e inibe seu desenvolvimento. Assim, o discurso de que o agronegócio é o "motor da economia" e "garante a segurança alimentar" serve para legitimar políticas que concentram ainda mais renda e terra, reforçando a desigualdade social e a dependência de modelos econômicos excludentes.


Paralelamente, à população pobre são oferecidas apenas migalhas assistencialistas — programas de transferência mínima de renda, ações compensatórias e políticas que não enfrentam as causas estruturais da desigualdade, mas apenas reforçam a submissão e a dependência dessas camadas sociais ao Estado. Assim, cria-se uma relação de proteção aparente, que alimenta a passividade, impede a autonomia econômica e fortalece os mecanismos de controle político e social.


Esse modelo de proteção seletiva poderia ser radicalmente transformado se as políticas públicas fossem orientadas para o fortalecimento efetivo do pequeno agricultor e a capacitação da população para alcançar a emancipação econômica e social.


Enquanto o grande agricultor já detém os recursos financeiros, o poder político e a autonomia para gerir seu negócio, o pequeno produtor necessita de apoio estruturante para desenvolver seu potencial produtivo.


Investir no pequeno agricultor significa gerar emprego, produzir riqueza local, garantir alimentos para o mercado interno e, sobretudo, promover a verdadeira igualdade, possibilitando que comunidades rurais tenham acesso a melhores condições de vida e oportunidades de desenvolvimento.


Políticas públicas voltadas para esse fim poderiam incluir:
→ Programas de crédito acessível e subsídios reais,
→ Investimentos em infraestrutura rural, assistência técnica e tecnologias sustentáveis,
→ Ações de capacitação profissional, educação financeira e formação cooperativista, que promoveriam não apenas o desenvolvimento local, mas também a redução das desigualdades regionais.


Além disso, seria fundamental implementar políticas que estimulassem a diversificação produtiva, rompendo com a lógica da monocultura voltada para exportação e promovendo modelos que favoreçam a soberania alimentar e o bem-estar social.


Além do fortalecimento do pequeno agricultor, é imprescindível considerar a melhoria das condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora agrícola, que, historicamente, se submete a jornadas exaustivas, muitas vezes em condições precárias, recebendo salários baixos e vivendo em situações de vulnerabilidade social.


Políticas públicas poderiam ser implementadas para incentivar os grandes proprietários e produtores a melhorar a qualidade de vida de seus trabalhadores, por meio de contrapartidas sociais. Por exemplo, a redução ou isenção de determinados tributos poderia ser condicionada a ações como:
→ A construção de moradias dignas,
→ A oferta de condições adequadas de trabalho,
→ A garantia de alimentação saudável,
→ A implementação de políticas salariais que valorizem a força de trabalho rural,
→ O respeito ao direito a uma carga horária digna de trabalho, assegurando jornadas justas e condições que promovam o bem-estar físico e mental dos trabalhadores,
→ E a disponibilização do acesso à educação, com a garantia de escolas próximas e de programas educacionais acessíveis, tanto para os filhos dos trabalhadores, que muitas vezes ficam excluídos do sistema educacional, quanto para os adultos, que necessitam de oportunidades de formação e alfabetização, rompendo com ciclos históricos de ignorância forçada e submissão estrutural.
Além disso, é imprescindível que o Estado atue com rigorosa fiscalização, acompanhando e verificando se, de fato, os benefícios fiscais e as isenções tributárias concedidos estão sendo direcionados à implementação dessas melhorias, evitando que tais incentivos sejam apropriados apenas para ampliar os lucros dos grandes proprietários, sem gerar qualquer impacto positivo na vida dos trabalhadores.


Da mesma forma, o pequeno agricultor, que também é contribuinte e, embora em menor escala, paga impostos, deve ser educado e incentivado a utilizar os recursos poupados com eventuais isenções fiscais para promover a melhoria das condições de vida e trabalho de seus colaboradores, mesmo que sejam poucos. Assim como os grandes produtores, o pequeno agricultor deve ser responsabilizado socialmente, garantindo que os benefícios tributários sejam revertidos em moradias dignas, alimentação adequada, salários justos, jornadas de trabalho humanas e acesso à educação para seus colaboradores e suas famílias.


Tais medidas não apenas melhorariam a vida das pessoas diretamente envolvidas na produção agrícola, mas também estimulariam práticas responsáveis e reduziriam as desigualdades históricas no meio rural, atacando as raízes da exclusão e promovendo uma sociedade mais justa e equilibrada.

 

4. O Protecionismo como Estratégia de Controle Social
As políticas protecionistas que hoje observamos, muitas vezes justificadas como instrumentos de defesa da economia nacional, são, na verdade, heranças de uma estrutura econômica profundamente excludente, que se perpetua desde o período escravocrata.


Historicamente, o Estado brasileiro sempre atuou como fiador dos interesses das elites econômicas, começando pelos senhores de engenho, que, além de concentrarem as terras e a força de trabalho escravizada, também detinham influência direta sobre o poder político. A política protecionista, nesse contexto, servia para garantir a manutenção da estrutura agrária e escravocrata, com isenções, benefícios e apoio do Estado, enquanto a população negra escravizada era totalmente desprovida de direitos.


Com o fim formal da escravidão, o modelo não se rompeu: adaptou-se, beneficiando agora os grandes fazendeiros e empresários, enquanto trabalhadores livres, negros, imigrantes pobres e pequenos produtores permaneceram desprotegidos e vulneráveis.


Essa prática criou uma cultura política na qual o Estado atua mais como um instrumento de preservação de privilégios do que como garantidor do bem-estar social. O protecionismo, que poderia ser uma ferramenta de promoção da soberania econômica e de desenvolvimento coletivo, transformou-se, em muitos momentos, em uma política que favorece setores específicos, mantendo a concentração de renda e de poder que já existia desde os tempos coloniais.
Compreender essa trajetória histórica é fundamental para a Psicologia Social, pois nos permite analisar como estruturas econômicas e políticas excludentes influenciam a produção de subjetividades marcadas pela desigualdade, pela naturalização da exploração e pela dificuldade de romper com modelos de organização social profundamente enraizados.


É importante observar como essa política protecionista se adaptou à realidade atual. Naquele tempo, quem dominava a política eram os grandes fazendeiros, que escolhiam os governantes e orientavam as políticas públicas conforme seus interesses, garantindo a manutenção de seus privilégios. Hoje, com o aumento da população votante, incluindo mulheres, negros e imigrantes naturalizados, o mecanismo político se transformou.


O protecionismo, antes restrito a proteger os interesses das elites econômicas tradicionais, passou a funcionar também como uma ferramenta de manutenção da dependência social. Com uma base eleitoral majoritariamente composta por cidadãos de baixa renda, muitas políticas públicas são elaboradas mais com o intuito de manter essa população dependente e politicamente cativa, do que propriamente de garantir a emancipação e a autonomia cidadã.


Esse modelo, que se apresenta sob a roupagem de proteção social, na verdade contribui para que governantes se perpetuem no poder, ao mesmo tempo em que mantém a população cega e vulnerável aos processos estruturais que alimentam as desigualdades históricas.


Essa perpetuação e adaptação das políticas protecionistas não apenas sustentam uma economia viciada, mas fabricam uma população submissa e dependente, que muitas vezes não reconhece os mecanismos que a mantêm presa a esse ciclo. Alimenta-se uma cultura onde o Estado é visto como provedor absoluto, mas, na verdade, atua como mantenedor da precariedade, garantindo que grandes massas permaneçam desmobilizadas, despolitizadas e incapazes de romper com as estruturas que as exploram.


Para a Psicologia Social, é urgente desvelar como políticas públicas não apenas distribuem ou retêm recursos, mas também produzem subjetividades conformadas, que aprendem a aceitar a tutela como se fosse proteção, e a naturalizar a desigualdade como se fosse destino. Denunciar esse modelo e promover processos de emancipação crítica é um desafio ético e político, sem o qual continuaremos apenas a remendar os efeitos de uma estrutura que, na essência, precisa ser transformada.

 

5. A Educação como Política de Emancipação Social
Diante da perpetuação histórica das políticas protecionistas como instrumentos de manutenção da dependência social, é necessário apontar a educação como a única política pública efetivamente capaz de promover a emancipação e a autonomia cidadã.


Enquanto políticas assistencialistas reforçam a imagem do Estado como provedor absoluto, a educação, quando comprometida com a formação crítica, permite que a população compreenda os mecanismos que a mantêm cativa e rompa com a lógica da dependência.


O investimento em uma educação de qualidade, universal e crítica, proporciona à população:
*Capacidade de analisar políticas públicas para além da propaganda governamental.
*Percepção clara de como determinadas políticas mantêm privilégios e não promovem emancipação.
*Condições para participação política ativa e para a construção de modelos de gestão pública mais justos.


Por outro lado, a manutenção de um sistema educacional fragilizado e instrumentalizado serve apenas para perpetuar a submissão, garantindo que a população permaneça desmobilizada, despolitizada e dependente de programas assistencialistas, que não modificam as estruturas sociais, mas reforçam o modelo que já está em vigor, perpetuando desigualdades e assegurando a manutenção do poder concentrado nas mãos de uma minoria.


Sem uma política educacional voltada para o desenvolvimento da autonomia, continuaremos formando cidadãos que confundem tutela com proteção, e que permanecem presos à crença de que o Estado é um fim em si mesmo, e não um instrumento da cidadania. Investir em educação não é apenas uma questão de desenvolvimento econômico, mas uma estratégia de libertação política e social, sem a qual continuaremos a remendar as consequências de um sistema que se alimenta da ignorância e da dependência.

 

6. Educação para a Autonomia Econômica, Política e Social
Promover a educação com política de emancipação social significa, sobretudo, preparar a população para assumir sua liberdade econômica e política de forma consciente e responsável. Para isso, é imprescindível que a educação escolar contemple conteúdos e práticas que estimulem a autonomia, a responsabilidade individual e o senso crítico coletivo.
Um dos pilares fundamentais dessa preparação é a educação financeira. A ausência desse componente no currículo escolar tem contribuído para a formação de uma sociedade economicamente dependente do Estado, especialmente no que diz respeito a aposentadorias públicas e outros programas assistenciais que, embora importantes, não garantem condições dignas de vida para a velhice ou para situações de vulnerabilidade.


Ensinar desde cedo como gerenciar recursos, como gastar com consciência e como investir para o futuro é essencial para romper com o ciclo de dependência econômica que afeta amplos setores da população. A falta de preparo financeiro contribui para que muitas pessoas se acomodem a rendas mínimas, vivendo sob constante insegurança, sem construir uma base sólida para o futuro.


Além da dimensão econômica, é imprescindível fomentar a politização responsável da sociedade. A maneira como grande parte da população fala de política de forma equivocada, muitas vezes marcada pela idolatria a partidos ou figuras públicas, revela a necessidade urgente de desenvolver um senso crítico e reflexivo sobre o funcionamento das instituições, as políticas públicas e os processos democráticos.


É preciso superar o tabu de que “não se discute política”. Ao contrário, discutir política de maneira equilibrada e respeitosa é um exercício de cidadania. A cultura que prega o silenciamento diante das diferenças só favorece aqueles que desejam manter o poder concentrado, impedindo transformações profundas. O que falta, na verdade, é a valorização do debate qualificado, o respeito às divergências e o compromisso coletivo com a construção de consensos mais justos.


Incluir no currículo escolar temas sociais, debates políticos e formação para o pensamento crítico é fundamental para formar cidadãos capazes de questionar, participar e transformar a realidade, desmistificando a ideia de que a população deve se resignar a depender exclusivamente de políticas públicas frágeis, como aposentadorias que, muitas vezes, não asseguram uma existência digna e expõem a população à vulnerabilidade.


Educar, nesse sentido, é não apenas transmitir conhecimento, mas formar sujeitos autônomos, críticos e emancipados, aptos a construir um futuro mais justo, livre e consciente.

 

7. O Uso Político da História e da Educação como Instrumento de Manutenção da Dependência
A maneira como a história é ensinada nas escolas e apresentada ao público em geral não é neutra. Frequentemente, ela é manipulada e simplificada com o objetivo de reforçar uma determinada visão de Estado e de sociedade, mantendo a crença de que o Estado é o único agente de transformação e a salvação para os problemas coletivos.


Essa estratégia cria uma narrativa onde políticas públicas que, muitas vezes, contribuíram para a manutenção das desigualdades, são apresentadas como salvadoras, enquanto propostas que visam a autonomia social e econômica são retratadas como ameaças ou erros históricos. Assim, constrói-se um imaginário coletivo que naturaliza a dependência do Estado e desestimula processos de emancipação cidadã.


Um exemplo emblemático dessa manipulação histórica é a forma como se ensina a abolição da escravatura no Brasil. A narrativa predominante, ainda presente em muitos currículos escolares, exalta a figura da princesa Isabel como a “redentora”, responsável por um ato heroico e benevolente que libertou os negros escravizados.


Na verdade, a princesa Isabel não foi a salvadora do povo negro — muito pelo contrário. Ela foi pressionada por uma série de movimentos abolicionistas, por intelectuais, por militantes, mas, principalmente, pela própria luta do povo negro, que resistia, fugia, criava quilombos e reivindicava sua liberdade. Não havia outra escolha; o processo era irreversível.


Assim, a abolição não foi um presente, mas uma conquista histórica dos negros, resultado de anos de resistência e enfrentamento. Porém, a maneira como a princesa Isabel conduziu esse processo revela uma ausência total de preparo e de preocupação com as consequências sociais.


Ela não estruturou políticas de integração, de reparação ou de suporte. Sua atitude apenas promoveu a marginalização em massa dos negros, que foram lançados ao abandono, condenados a viver em condições sub-humanas, sem acesso a terra, moradia ou trabalho digno.


De uma maneira diferente, a escravidão se mantém no Brasil. Não existem mais troncos ou açoites, mas o modelo de exploração e exclusão se perpetua, agora sob novas roupagens, mais sutis, porém igualmente opressoras.


A antiga escravidão, marcada pela cor e pela violência física, foi formalmente abolida, mas nunca superada em essência. O que antes restringia-se principalmente à população negra escravizada, hoje estende-se de forma ampla às camadas mais pobres e vulneráveis da sociedade, independentemente de raça ou origem.


Nas políticas atuais, percebemos que essa exploração e exclusão atinge negros, brancos, indígenas, imigrantes — todos submetidos a um sistema que mantém a dependência e desmobiliza a autonomia, alimentando uma submissão silenciosa, mas profundamente enraizada.


Essa nova escravidão não é mantida por correntes ou chicotes, mas por estruturas institucionais e políticas que cegam a população, fazendo-a acreditar que o Estado é seu único salvador, enquanto, na realidade, atua como o mantenedor de sua dependência e do poder concentrado nas mãos de poucos.


Reconhecer essa nova forma de escravidão, disfarçada sob o véu da proteção estatal, é o primeiro passo para a construção de uma sociedade realmente emancipada.


Enquanto essa estrutura não for desvelada e confrontada, continuará oprimindo silenciosamente, mantendo milhões de pessoas presas a um sistema que limita suas possibilidades, restringe sua autonomia e perpetua a desigualdade social.


A educação crítica e libertadora é a única via capaz de romper com esse ciclo, promovendo sujeitos conscientes, ativos e capazes de transformar sua própria realidade, recusando a condição de dependência e assumindo, finalmente, sua plena cidadania.


Conclusão
Este texto buscou desvelar as engrenagens ocultas de um sistema que, sob o disfarce de políticas públicas protetoras, perpetua a dependência social, a submissão política e a manutenção do poder concentrado. Desde a herança das políticas protecionistas coloniais, passando pela manipulação histórica da abolição, até as formas atuais de uma escravidão moderna e simbólica, identificamos uma estrutura que não emancipa, mas mantém a população cativa, alienada e desmobilizada.


O Estado, ao invés de ser um instrumento a serviço do bem comum, transformou-se, muitas vezes, em um mecanismo de perpetuação de privilégios, que alimenta a ilusão de que a dependência assistencialista é a única via possível para as populações vulneráveis, bloqueando a construção de um projeto de sociedade livre, autônoma e verdadeiramente democrática.


A educação surge, nesse cenário, como a única política pública capaz de romper com esse ciclo — não uma educação meramente técnica ou instrumental, mas uma educação crítica, reflexiva e transformadora, que devolva às pessoas a capacidade de pensar por si mesmas, de gerir suas vidas com autonomia e de participar ativamente das decisões coletivas.


E é exatamente por isso que, para muitos governos, não interessa promover uma educação de qualidade e emancipadora. Quanto mais a população for educada, crítica e autônoma, menos manipulável se torna e menos disposta estará a aceitar passivamente as estruturas de poder que a oprimem.


Quando há investimento em educação, ele é cuidadosamente moldado para preservar o controle, estruturando conteúdos e práticas que manipulam e condicionam, reforçando uma visão homogeneizadora e submissa, que impede a emergência de uma cidadania crítica e transformadora.


É preciso, com urgência, abandonar a ideia de que política é assunto de poucos e romper com o silenciamento imposto pela crença de que não se discute política. Pelo contrário: discutir política é um ato de resistência, de cidadania e de emancipação. O que destrói sociedades não são as divergências políticas, mas a incapacidade de lidar com elas de forma ética e respeitosa, entregando o debate público àqueles que apenas desejam manter seus privilégios intocados.


Enquanto não desafiarmos a narrativa oficial, que transforma governantes em salvadores, e não nos posicionarmos como sujeitos ativos e críticos, continuaremos a ser reprodutores inconscientes de um sistema que explora, exclui e domina.


Cabe à Psicologia Social — e a cada profissional comprometido com a transformação social — o papel de provocar, desvelar e estimular esse processo de conscientização, superando as ilusões criadas por um modelo que, longe de proteger, apenas mantém as mesmas estruturas de dominação e desigualdade.


Ou formamos uma sociedade que educa para a autonomia, ou continuaremos a cultivar uma população mantida em estado de dependência crônica, sob a promessa vazia de uma proteção estatal que nunca chega.


Não se pode ignorar que esse modelo político e social não apenas perpetua desigualdades materiais, mas também impacta profundamente a saúde mental da população. A experiência contínua de dependência, a sensação de impotência diante de modelos institucionais e políticas públicas que, ao invés de emancipar, reforçam a dependência, vão minando gradualmente a autoestima e a autoconfiança das pessoas. Esse cenário gera não apenas frustração, desesperança e apatia, mas também uma perigosa naturalização da corrupção, onde muitos passam a acreditar que, para sobreviver, é necessário se adaptar e, em alguns casos, até reproduzir práticas antiéticas. Não são raras as falas que expressam esse sentimento: ‘se não fazemos essas coisas, somos engolidos pelo sistema’. Tais afirmações ilustram de forma assustadora como esse ambiente social adoecedor não apenas limita a liberdade econômica e política, mas também compromete a saúde emocional, psicológica e ética de milhões de brasileiros. Romper com esse ciclo significa, também, criar condições para que a sociedade desenvolva subjetividades saudáveis, confiantes e capazes de transformar sua própria realidade, resgatando valores éticos e construindo práticas sociais mais justas e emancipatórias.


A escolha, portanto, é coletiva, mas começa em cada um de nós: aceitamos a tutela ou lutamos pela emancipação?

 

Por Érika Marques
Psicóloga - CRP 06/162144
Pós Graduada em Psicologia Social e do Trabalho 

 

 

 

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